As novas questões do problema colonial
Simone Weil
Os problemas da colonização surgem, sobretudo, em termos de força. A colonização começa quase sempre pela imposição da força sob sua forma pura, ou seja, pela conquista.Um povo, submetido pelas armas, de repente tem que obedecer às ordens de estrangeiros de outra cor, de outra língua, de toda uma outra cultura, convencido da própria superioridade. Consequentemente, como é preciso viver, e conviver, certa estabilidade é estabelecida, fundada sob um compromisso entre a coerção e a colaboração. É verdade que toda vida social é fundada nesse compromisso, mas as proporções de coerção e colaboração diferem e, nas colônias, a parte da coerção costuma ser maior do que em outros lugares. Não seria difícil encontrar uma colônia pertencente a um Estado democrático em que a coerção seja, em muitos casos, pior que no pior Estado totalitário da Europa.
A coexistência entre duas raças, mesmo que uma dirija a outra, não implica em si em uma coerção tão grande.
Bases de uma colaboração suficiente para reduzir a coerção ao mínimo poderiam ser encontradas. Os europeus que vão para outros continentes poderiam, sobretudo, não se sentir desnorteados entre pessoas que acreditam ser inferiores se conhecessem melhor a própria cultura e história; eles então não acreditariam que inventaram tudo.
Do mesmo modo, a cultura europeia, adornada com os próprios prestígios e todos os da vitória, sempre chega a atrair parte da juventude dos países colonizados. A técnica, depois de ter chocado muitos hábitos, impressiona e seduz por sua força. As populações conquistadas só querem, ao menos em parte, assimilar essa cultura e essa técnica; se esse desejo não aparece tão rápido, o tempo o traz de maneira quase infalível. Uma colaboração cordial seria possível, apesar da subordinação de uma raça à outra, se cada etapa do caminho da assimilação parecesse, para a população submetida, uma nova etapa no caminho para a independência econômica e política. No caso contrário, a assimilação aguça os conflitos. Uma juventude criada na cultura do vencedor só suporta ser tratada com desdém por homens de quem ela se sente semelhante e igual se isso for feito pela força. A técnica, quando a miséria das massas aumenta, ou simplesmente se mantém, ou mesmo diminui, mas não em um ritmo que corresponde à valorização do país, parece ser um bem monopolizado por estrangeiros, que queremos tomar. Se a população da colônia tem a sensação de que o vencedor pretende prolongar indefinidamente a relação de conquistador e conquistado, é estabelecida uma paz que difere da guerra apenas pelo fato de um dos lados não ter acesso a armas.
É para essa situação que toda colonização tende, automaticamente, por um tipo de inércia. E é óbvio que é uma situação intolerável. Se supusermos que ela é dada, de que maneira será possível que ela melhore?
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Um dos meios que podemos conceber é o nascimento de um movimento de opinião na nação colonizadora contra as injustiças assustadoras impostas às colônias. Tal movimento de opinião deveria ser fácil de suscitar em um país que reivindicar para si um ideal de liberdade e de humanidade. A experiência mostra que não é. Em 1931, Louis Roubaud publicou na primeira página do Le Petit Parisien uma série de artigos sobre a Indochina cheia de revelações horríveis que não foram desmentidas; eles ainda não produziram nenhuma consequência e ainda hoje muitas pessoas instruídas, que consideramos bem informadas, ignoram toda a repressão atroz de 1931. Durante o grande movimento que fez os operários franceses se revoltarem em 1936, podemos dizer que eles não lembraram que as colônias existiam. As organizações que lhes representavam também não se lembraram disso.
De maneira geral, os franceses estão tão totalmente convencidos da própria generosidade que não se preocupam com os males que sofrem as populações distantes por causa deles; e a coerção priva essas populações da possibilidade de reclamar. A generosidade não chega à casa de nenhum povo a ponto de se esforçar para descobrir as injustiças cometidas em seu nome; em todo caso, ela com certeza não chega a esse ponto na França. A propaganda de alguns só consegue gerar um remédio fraco.
Um outro meio, o que se apresenta de maneira mais natural ao espírito, é com uma revolta vitoriosa. Mas é difícil que uma revolta colonial seja vitoriosa. Os números estariam do lado dos revoltados, mas o monopólio da técnica e das armas mais modernas pesa mais na balança das forças. Uma guerra que absorveria as forças armadas da nação colonizada pode talvez apresentar possibilidade
de emancipação violenta; mas, mesmo nesse caso, uma revolta só venceria dificilmente e, sobretudo, ela seria especialmente ameaçada pelas ambições de outras nações armadas. De maneira geral, ao supor que uma revolta armada seria vitoriosa, a aquisição e a manutenção da independência nessas condições, a necessidade de garantir a defesa, tanto contra a nação que comandava até ali quanto contra as outras atraídas pela revolta, exigiria tamanha tensão moral, um uso tão intensivo de todos os recursos materiais que a população correria o risco de não ganhar nem bem-estar nem liberdade com ela.
Sem dúvida, a independência nacional é um bem, mas, quando ela supõe tamanha submissão ao Estado que a coage, a exaustão e a fome são tão grandes que, sob um domínio estrangeiro, ela é vã. Nós, franceses, não queremos pôr esse preço em nossa independência nacional. Por que seria desejável que as populações das colônias ponham tamanho preço na aquisição da delas?
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Parece que não há saída, e, no entanto, há uma. Existe uma terceira possibilidade. É a de que a nação colonizadora tenha interesse em emancipar progressivamente suas colônias e entenda esse interesse. E as condições para essa solução existem. O jogo das forças internacionais faz com que a França tenha interesse, um interesse urgente, evidente, em transformar seus súditos em colaboradores. Ela precisa entender esse interesse; aqui, a propaganda pode ser usada.
Se pensarmos apenas na Europa, é lamentável por vários motivos que a paz tenha sido mantida apenas às custas das concessões de Munique. É horrível para os alemães dos Sudetos que o regime hitlerista não seduz; é muito doloroso para a Tchecoslováquia, que não tem mais nem uma sombra de independência nacional; é amargo para os Estados democráticos cujo prestígio e, assim, a segurança parecem reduzidos. Mas, se olharmos para a Ásia e a África, o acordo de Munique gera uma esperança até hoje quimérica. A França, cuja posição na Europa sofreu muito, só se mantém entre as grandes potências por causa de seu império. Mas o que lhe resta de força e prestígio não basta mais para manter esse império se aqueles que o compõe não quiserem mais ficar.
As reivindicações da Alemanha para suas antigas colônias tocam apenas um aspecto parcial e secundário desse problema. Ninguém sabe quando ela fará suas reivindicações oficialmente, nem que outras poderão segui-las. Mas, já hoje, o Império Francês é objeto da cobiça da Alemanha e de seus aliados. A Alemanha sempre considerou abusivo – e não sem motivo – o protetorado francês sobre o Marrocos; a Itália está há algum tempo de olho na Tunísia; o Japão deseja a Indochina. A França não terá a força necessária para defender territórios tão vastos se as populações interessadas forem, no fundo, hostis a ela, nem mesmo se elas ajudarem na guerra de ambições como simples espectadoras.
Uma fábula de La Fontaine sobre um burro e seu mestre deve ser lida nesse caso. Todos na França a conhecem; basta pensar em aplicá-la. Mesmo que todos os franceses das colônias adotassem de repente os procedimentos mais humanos, mais benevolentes, mais desinteressados não bastaria para suscitar no império os sentimentos necessários para a segurança da França. É indispensável que os súditos da França tenham algo deles que outra dominação possa fazê-los perder. Nesse sentido, é indispensável que eles deixem de ser súditos, ou seja, seres passivos, bem ou maltratados, mas totalmente submetidos ao tratamento dado a eles. Eles têm que entrar de verdade, e logo, bem rápido, no caminho que leva da situação de súdito à de cidadão.
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A questão não é transformar as colônias, de repente, em Estados independentes. Tal metamorfose seria, sem dúvida, sem futuro; mas, de todo modo, nenhum governo francês, de qualquer partido, pensaria isso. Teríamos que examinar modalidades de autonomia administrativa, de colaboração com o poder político e militar, de defesa econômica. Essas modalidades seriam necessariamente diferentes de acordo com as colônias. As mesmas soluções, sem dúvida, não são aplicáveis aos anamitas, que não esperaram a invasão francesa para ser um povo altamente civilizado, e em territórios do centro da África.
O passado, a moral, as crenças devem ser levados em conta. Mas, sejam quais forem as modalidades, o sucesso só será possível se elas se inspirarem da mesma necessidade urgente: as populações das colônias devem participar ativamente, e para seu próprio benefício, na vida política e econômica de seu país. Em relação à França, não é certo que uma política assim, mesmo aplicada de maneira rápida e inteligente. possa ser eficaz. Talvez seja tarde demais. Se for verdade, por exemplo, que, entre os milhões de habitantes do Anam e do Tonkin, nove entre cada dez famílias perderam pelo menos um membro por causa da repressão de 1931, esses milhões de homens talvez não perdoem com tanta facilidade. Mas o que é quase certo é que essa política dá à França uma chance única de manter seu status de potência que quase todos os políticos consideram indispensável para sua segurança.
Por outro lado, em relação às colônias, tal política,se for realmente mantida, seria eficaz em todos os casos. Se as populações colonizadas, após uma emancipação parcial, formarem ou não sentimentos favoráveis à manutenção do Império Francês, se elas continuarem, em um futuro próximo, sob o domínio francês ou passarem para o domínio de outro país. Em todos os casos, as liberdades adquiridas darão a elas a possibilidade de se defender contra qualquer opressão e possibilidade de seguir em direção a uma emancipação completa que elas hoje não têm. Hoje elas estão desarmadas e à mercê de quem quer que entre nelas com armas. Por exemplo, não há dúvida de que, se o Japão tomasse a Indochina, ele se aproveitaria do estado de impotência e passividade em que encontraria os anamitas. Se os encontrasse em posse de certas liberdades, seria difícil de pelo menos não as manter. Assim, do ponto de vista francês, essa política é necessária; do ponto de vista humano – que, digo de passagem, é naturalmente o meu –, seja quais possam ser as consequências para a França, ela ficaria feliz.
Quem está acostumado a analisar tudo com base em duas categorias, “revolucionário” e “reformista” – o primeiro epíteto, nesse sistema maniqueísta, designa o bem e o segundo, o mal –, com certeza achará que tal solução para o problema colonial é coberta da loucura indelével do reformismo. Eu, sem hesitação, a considero infinitamente preferível, se for realizada, a uma emancipação que resultasse de uma revolta vitoriosa. Porque ela permitiria que as populações submetidas, hoje, a tantas coerções intoleráveis chegassem pelo menos a uma liberdade parcial sem serem forçadas a cair em um nacionalismo forçado – tanto imperialista quanto conquistador –, em uma industrialização excessiva fundada sobre a miséria prolongada de modo infinito das massas, em um militarismo agudo, em uma estatização de toda a vida social análoga a dos países totalitários. Estas seriam, quase obrigatoriamente, as consequências de uma revolta vitoriosa. Quanto às consequências de uma revolta não vitoriosa, elas seriam atrozes demais para termos vontade de evocá-las. A outra via, sem dúvida menos gloriosa, não derramaria sangue e, como dizia Lawrence da Arábia, aqueles que têm a liberdade por objetivo querem viver para aproveitá-la e não morrer por ela.
O que pode impedir que uma solução tão desejável para o problema colonial se torne realidade é a ignorância que a França tem sobre dados do problema. Ignoramos que a França não é, aos olhos da maioria de seus súditos, a nação democrática justa e generosa que ela é aos olhos de tantos franceses médios e outros. Ignoramos que os anamitas, especialmente, não têm nenhum motivo para preferi-la ao Japão e, na verdade, pelo que se ouve várias pessoas dizendo, não a preferem. Aqui o papel das informações pode ser importante. Contanto que as informações sobre o regime colonial não nos fizessem questionar a generosidade da França, elas poderiam cair na indiferença e, sobretudo, na incredulidade geral. Foi realmente o que aconteceu. Quando nossa segurança correr risco, elas terão a chance de serem levadas a sério. Por mais penoso e humilhante que seja admitir, a opinião de um país, sem nenhuma distinção de classe social, é muito mais sensível ao que ameaça sua segurança do que ao que ofende a justiça.
Dezembro de 1938.
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Este ensaio integra o livro “Contra o colonialismo“, de Simone Weil. Com apresentação da filósofa francesa Valérie Gérard e nota biográfica da filósofa brasileira Maria Clara Bingemer.
Simone Weil (1909-1943) foi uma filósofa francesa. Além de ter sido professora, dedicou-se ao ativismo político, fez parte da Coluna Durruti na Guerra Civil Espanhola, passou mais de um ano trabalhando como operária em uma fábrica de automóvel, para melhor compreender o cotidiano dentro das fábricas, e também lutou Resistência Francesa, em Londres. Com tuberculose e a saúde debilitada por não ter admitido se alimentar de nada além da ração diária permitida aos soldados, nos campos de batalha, ou aos civis pelos tickets de racionamento, em estado de desnutrição, faleceu poucos dias depois de seu internamento hospitalar.