Quatro poemas de Lucille Clifton
Tradução Lubi Prates
OUÇAM, CRIANÇAS
ouçam, crianças
guardem isso onde
vocês possam guardar
para sempre
guardem isso de todas as maneiras
nós nunca odiamos preto
ouçam
nós estivemos envergonhados
desesperançosos cansados com raiva
mas sempre
de todas as maneiras
nós nos amamos
nós sempre nos amamos
crianças, de todas as maneiras
passem isso adiante.
ABENÇOANDO NAVIOS
que a maré
que agora mesmo adentra
o lábio do nosso entendimento
te carregue
para além da face do medo
que você beije
o vento e lhe dê as costas
com a certeza de que ele
te amará de volta que você
abra seus olhos para a água
água ondulando para sempre
e que você com sua inocência
consiga navegar através dela
VOCÊ NÃO VAI CELEBRAR COMIGO?
você não vai celebrar comigo
isto que eu moldei como
um tipo de vida? eu não tive nenhum modelo.
nascida na babilônia
não branca e mulher.
o que eu imaginei ser além de mim mesma?
eu forjei isso.
aqui nesta ponte entre
a luz da estrela e a argila,
minha mão segurando firme
minha outra mão; venha celebrar
comigo, que todos os dias
alguma coisa tenta me matar
e falha.
IRMÃS
você e eu somos irmãs.
somos iguais.
você e eu
vindas do mesmo lugar.
você e eu
passando óleo nas pernas
retocando nossas raízes.
você e eu
com medo de ratos
pisando nas baratas.
você e eu
descendo alegres correndo a rua purdy aquela vez
e a mãe rindo e balançando a cabeça para
você e eu.
você e eu
tivemos bebês
fizemos trinta e cinco
enegrecemos
deixamos nossos cabelos voltarem
amando nós mesmas
amando nós mesmas
somos irmãs.
apenas onde você canta,
eu sou poeta.
AS MULHERES PERDIDAS
eu preciso saber os nomes
daquelas mulheres com quem eu teria caminhado
alegremente como fazem os homens em grupo
balançando os braços, e daquelas mulheres
suadas com quem eu teria me juntado
depois de uma partida difícil para jogar conversa fora.
do que teríamos chamado umas às outras rindo
brincando na nossa cerveja? onde está minha gangue,
meu time, minhas irmãs extraviadas?
todas as mulheres que poderiam ter me conhecido,
onde nesse mundo estão seus nomes?
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Lucille Clifton (1936 -2010) foi uma poeta, escritora e professora negra norte-americana. Publicou diversos livros de poesia e infantis. Seu livro de estreia, “Good Times”, de 1969, foi considerado um dos melhores livros de poesia do ano, nos Estados Unidos. Com “Good Woman: Poems and a Memoir: 1969–1980”, e “Next: New Poems”, ambos de 1987, concorreu ao Prêmio Pulitzer. Com “Blessing The Boats: New and Collected Poems 1988–2000”, de 2000, ganhou o National Book Award. Seus poemas tratam da condição da mulher negra na diáspora, valorizando a herança africana presente em nós (Lucille descendia da República do Benin). Lucille faleceu em 2010. Sua obra segue inédita no Brasil. Os poemas abaixo foram traduzidos por Lubi Prates e contaram com o olhar atento do Manu Quadros, a quem a tradutora agradece.
Lubi Prates (1986) é poeta, tradutora, editora e curadora de Literatura. Tem três livros publicados (“Coração na boca”, 2012; “Triz”, 2016; “Um corpo negr”o, 2018). O livro “Um corpo negro” foi contemplado pelo PROAC com bolsa de criação e publicação de poesia e está em processo de publicação na Argentina, Colômbia, Estados Unidos, Espanha e França, além de ter sido finalista do 61º Prêmio Jabuti e do 4º Prêmio Rio de Literatura. Tem diversas publicações em plaquetes, antologias e revistas nacionais e internacionais. Co-organizou, junto com outras mulheres, os festivais literários para visibilidade de poetas, Eu sou poeta (São Paulo, 2016) e Otro modo de ser (Barcelona, 2018) e participou de outros festivais literários no Brasil e em outros países da América Latina. É sócia-fundadora e editora da nosotros, editorial, e é editora da revista literária Parênteses. Dedica-se à ações que combatem a invisibilidade de mulheres e negros. Atualmente, é doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento Humano, na Universidade de São Paulo.
As traduções foram publicadas na revista Escamandro, dedicada à poesia, tradução e crítica.