Respira respiração
Peter Trawny
Respira respiração – a concepção médica da respiração remete ao suprimento de oxigênio para os pulmões. Isso é garantido pelo diafragma e por uma parte dos músculos do peito. O fato de em princípio ninguém respirar “conscientemente”, de a respiração estar além da nossa vontade, está relacionado ao cérebro e ao nosso sistema nervoso. Do ponto de vista médico, respira-se primeiro com o cérebro e certos neurotransmissores. Deixo em aberto se somente os médicos pensam assim e se pensam apenas assim sobre o respirar.
Há claramente um outro sentido, mais multifacetado, de respirar: respirar é vida. Mas é vida além do sujeito individual. Eu não respiro: nós respiramos: você respira. É a sua respiração que me deixa respirar. Respirar é o nosso elemento, nosso entre, nosso lugar sem mundo. Eu respiro a sua respiração. O vento da respiração não é desse mundo, mas tampouco de um outro mundo. Você dá e toma a minha vida. Ritmo da intimidade mais humana até o desnudamento. É isso também que nos põe em risco, e não somente nas condições de uma pandemia viral. Pois esse respirar, esse ritmo respirante que nós somos não está ameaçado somente agora, mas desde sempre, do primeiro ao último suspiro.
Mas depois, então, logo e de novo, você haverá de respirar.
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Peter Trawny é filósofo e professor na Universidade de Wuppertal, Alemanha, especialista na obra de Martin Heidegger, de cuja obra tem sido organizador e editor. Tem diversos livros publicados, entre eles “Adyton” e “Médium e revolução” (editados no Brasil).
Texto feito a convite da Bazar do Tempo, em dossiê especial Respiração, com curadoria de Marcia Sá Cavalcante Schuback, que assina a tradução.