“A experiência do confinamento, do aprisionamento, da imobilidade faz parte da história das mulheres”
Leïla Slimani
“À primeira vista, as mulheres parecem estar confinadas. O sedentarismo é uma virtude feminina, um dever das mulheres ligadas à terra, à família, ao lar. Para Kant, a mulher é a casa. O direito doméstico garante o triunfo da casa; ele enraíza e disciplina a mulher, abolindo qualquer desejo de escape.” Em seu livro História das mulheres, Michelle Perrot fala da relação das mulheres com a mobilidade. A mulher, conta ela, é um ser sedentário cuja existência é marcada pela espera. Penélope espera Ulisses como as jovens virgens esperam um homem que venha lhes libertar e lhes permitir cumprir o seu destino. As mulheres são “o lar”, elas devem estar “lá” para seus filhos. Elas são um ponto de ancoragem, uma referência imóvel enquanto o homem é sempre atraído para o exterior. Os negócios do mundo o chamam. O homem faz a política, ele faz a guerra, ele faz o mundo girar.
O espaço público foi por muito tempo, e ainda o é em vários países, extremamente hostil à presença das mulheres. Se elas estão entre quatro paredes, é também porque se desconfia delas. No interior, a mulher vive sob vigilância. A quantas meninas diz-se: “É escola e casa”? Nada é mais temido que uma garota que sai, uma garota que está nas ruas, que vaga sem rumo e que coloca em perigo a sua virtude.
Entre quatro paredes, a vida das mulheres é invisível, eterna repetição das tarefas cotidianas que nem se enxergam mais. Alimentar, cuidar, lavar roupas, ninar uma criança. Fechada em um lugar, a mulher está também no silêncio uma vez que a sua palavra não é para ser ouvida. Muitas vezes pensei que é também por isso que desconfiamos das mulheres que lêem. A leitura é uma viagem imóvel, uma evasão temporária fora da nossa prisão, uma errância onde nada pode nos deter.
No Marrocos há varandas de cafés onde só se veem homens. Um dia, eu me lembro de estar sentada, de ter acendido um cigarro e o proprietário, muito gentilmente, me pediu para me sentar na parte de dentro do lugar. “Isso vai me criar problemas”, ele me disse. No momento em que no Marrocos as pessoas também estão confinadas, eu penso que esses homens estão em casa e me pergunto se ao se darem conta do que estão sendo privados – a possibilidade de ficar de bobeira, de se sentar em um café, de puxar uma conversa com um desconhecido – eles pensam um pouco nas suas irmãs, na suas mulheres, em todas aquelas que se acostumaram com a ideia de que se vai da casa para o trabalho, do trabalho para o mercado, do mercado para casa.
Ulisses no feminino
Em muitos países no mundo, mesmo naqueles em que elas não são explicitamente impedidas de sair, tudo empurra as mulheres para o interior. Um percurso de ônibus? Um inferno. Sentar sozinha em um banco, no meio de um parque? Uma loucura. A experiência do confinamento, de aprisionamento, de imobilidade faz parte da história das mulheres. A liberdade de movimento foi e continua sendo um combate para milhões de nós.
No seu livro Sonho de mulheres (Rêves de femmes), a socióloga Fatima Mernissini narra a infância passada em um harém em Fez [no Marrocos] nos anos 1940. “Vagar livremente nas ruas era o sonho de todas as mulheres”, escreveu ela, que passou sua infância espiando o lado de fora, do terraço ou através das persianas. E foi ali, diz ela, no confinamento, que sonhava em ser escritora. “Eu me tornarei mágica. Vou apurar as palavras para compartilhar os sonhos com as outras pessoas e tornar inúteis as fronteiras.”
Uma outra mulher que me vem à cabeça é a feminista americana Gloria Steinem. Ela escolheu a vida de eterna nômade, de viajante sem fim, uma espécie de Ulisses no feminino, mas uma Ulisses que não sonhará com Ítaca, que não terá um lugar para onde voltar, mas apenas lugares a descobrir.
Para ela, nascida em 1934, o lar tradicional não passava de uma armadilha, e a imagem da perfeita dona de casa americana era repulsiva. A ideia de uma casa bem arrumada, cheirando a limpeza e com o bolo saindo do forno só lhe inspirava desconfiança. Vale a pena ler a sua autobiografia, Minha vida na estrada, onde ela mostra a que ponto a viagem é política para uma mulher. A estrada encarna a liberdade, o desejo de mudança, a sede de reencontro com o Outro. É uma recusa dos conservadorismos e das alienações.
Leïla Slimani é escritora, vencedora do Prêmio Goncourt em 2016 com livro Canção de ninar (Chanson douce).
Publicado em 29 de março de 2020 no jornal Le Monde, capítulo de seu diário do confinamento. Tradução de Ana Cecilia Impellizieri Martins.