R. Tycoon
Catarina Lins
o casaco de alguém que morreu há pouco
as mãos ainda com o gosto de fogo
estar sozinha em casa
mas há tanto tempo
*
a hora que você escreveu em seu diário
eu estava rolando na cama
sem que soubesse –
meu pai, que voltava trazendo as abóboras,
voltou dirigindo, e o que aconteceu
foi porque administraram o remédio errado
eu talvez não tenha administrado
certas relações da maneira correta, mas é o que é, agora
trocamos
as nossas mensagens
na mesa de jantar (e as abóboras também ficaram por lá, na mesa de jantar)
e elas eram para ti
porque eu fiquei preocupada
enquanto comia a torrada com as mãos
(e não com garfo)
que o Sol, que rege a nossa força vital,
entrasse pela janela
como num dia típico de outono
e subitamente sentíssemos
essa vontade
de subir ao terraço
que é como uma pequena abertura
num domo
com sua manta asfáltica.
(cinco anos depois, vocês ainda estariam olhando
para aquilo)
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Catarina Lins nasceu em 1990, em Florianópolis. É autora de “Músculo” (2015), “Parvo orifício” (2016), “O teatro do mundo” (2017, finalista do Prêmio Jabuti na categoria poesia, em 2018), e “Na capital sul-americana do porco light” (2018). Seu próximo livro, “Um bom ano para o milho”, está previsto para 2020.